Os músicos da Euterpe resolveram fazer esta serenata, só que apenas alguns foram chamados para tal apresentação. Aqueles que não foram convidados, quando ouviram os outros músicos tocando, ficaram muito ofendidos com a situação. Diante disso, começaram a soltar fogos de artifício em direção à serenata o que prontamente também foram respondidos com fogos da parte daqueles que tocavam. João Gonçalves de Magalhães, músico que não fora convidado a participar da serenata, já era uma pessoa descontente dentro da Euterpe por não ter sido escolhido como maestro da corporação. Com isso, incentivou aqueles músicos que ficaram de fora da apresentação a romper relações com a Euterpe e criarem uma outra banda, que no caso se tornaria a União Social. Alguns desses músicos eram: Joaquim Alves dos Santos Ferro, Júlio Antônio dos Santos, Francisco de Paula Jardim, Joaquim José de Araújo Brito e Joaquim José Américo. O Sr. Luiz, achando-se impossibilitado de continuar na regência da corporação (não se sabe ao certo se devido à idade avançada ou por motivos de saúde) pediu exoneração do cargo junto ao fundador. Antes de sair, indicou para assumir seu lugar dois de seus discípulos: Mestre Chico e João Gonçalves. No entanto, o Capitão Rodrigo, sem o devido conhecimento técnico para escolher entre os dois, pediu ao próprio Luiz Tibúrcio que fizesse a escolha. Este, então, optou pelo Mestre Chico. Esta decisão causou o descontentamento de João Gonçalves, que já mostrava certa rivalidade com o Mestre Chico. A partir deste momento, João Gonçalves começou a criar um ambiente desagregador na banda, trazendo sempre algum problema para a mesma. A partir de 1870, a ideia de dissidência e criação de uma nova banda começou a tomar força entre aqueles que se encontravam insatisfeitos dentro da Euterpe Cachoeirense. A nova banda começou com o ensino de música através do Sr. Antônio Felicíssimo, que era empregado da Fazenda Boa Esperança, perto do Arraial da Boa Morte, em 1872. É a partir daqui que surge a figura do Sr. Jorge de Figueiredo Brandão (30/11/1857 – 16/8/1955), avô de Jorge Brandão Murta. Neste período, ele tinha apenas 15 anos de idade. De acordo com documentos do arquivo de Jorge Murta, o Sr. Jorge de Figueiredo Brandão foi um dos primeiros aprendizes de Antônio Felicíssimo, juntamente com o Sr. Antônio Cortuna, Antônio dos Santos, Carlos Diniz, Antônio Tolentino Magalhães e outros. O Sr. Jorge de Figueiredo Brandão informa nos registros ter sido um dos primeiros “barbeiros” em carta ao então presidente da Banda Euterpe Cachoeirense, Antônio Rodrigues de Brito, datada de 12 de julho de 1945. Segue a transcrição desta carta: “Ilmo. Sr. Antônio Rodrigues de Brito Prezado amigo Com grande satisfação respondo a sua estimada carta. Eu estava com 15 anos mais ou menos quando chegou da Fazenda da Boa Esperança, perto do arraial da Boa Morte, o Professor de Música Sr. Antônio Felicíssimo, que foi dispensado da Fazenda. Ele me propôs ensinar-me música, eu e a Antônio Cortuna, Antônio dos Santos, Carlos Diniz, Antônio Tolentino Magalhães e outros. Passados alguns dias o Lucas, o Lucas de Figueiredo fez uma Serenata e começou a brigar com os companheiros, em dado momento, chegou o Sr. Rodrigo Murta muito exaltado e acabou debandando a banda, e foram unir com o Sr. Antônio Felicíssimo nosso Mestre de maneira que eu fui um dos primeiros “Barbeiros”, creio que tem 73 anos mais ou menos, que debandaram as bandas, quanto o mestre Franscisco Carlos de Assis Ferreira, eu não me recordo, mas em Cachoeira esteve o Almeida de Ouro Preto. Joaquim de Brito e outros. Lembranças a sua Exma. família. Sempre às suas ordens, a)– Jorge de Figueiredo Brandão“ Acrescentando a este fato, a questão de que João Gonçalves de Magalhães estava descontente na Companhia Euterpe Cachoeirense, veio então o nascimento da Sociedade Musical União Social, a “Banda de Baixo”. Segundo Vitorino (198?), moradores antigos de Cachoeira do Campo afirmam que o distrito era totalmente dividido pelas duas bandas. Na linguagem do cachoeirense antigo, eram dois “partidos”: os simpatizantes do partido de cima e os do partido de baixo. A Banda Euterpe Cachoeirense tinha a família Murta como influenciadora. Já a Sociedade Musical União Social, a família Lemos. Eram tempos onde os simpatizantes de ambas as bandas não podiam se encontrar na rua que era briga certa. Mulheres de um lado não se interessavam por homens do outro e vice-versa. “Quando a banda deles chegava, nós nem íamos ao coro (da igreja)…” relata uma senhora adepta ao partido de cima (VITORINO, 198?). Um fato curioso foi o papel das lideranças religiosas do distrito nesse conflito. Para que a igreja não tomasse partido para nenhum dos dois lados, a paróquia dividiu as festas. Cada banda recebeu a sua para que não acontecesse o encontro entre as mesmas. Por exemplo, a Euterpe tocava sempre na festa de Maria Concebida, em maio. Enquanto isso, a União Social tocava sempre na festa da padroeira, Nossa Senhora de Nazaré, no mês de setembro. Nunca o contrário. Bastava apenas cada lado vestir seu uniforme e a rivalidade estava concretizada. Mesmo muitos anos depois, quando as duas bandas começaram a ter os primeiros encontros em outras festas, uma não saía da praça enquanto a outra não saísse. Era aquele jogo de “quem aguentava ficar mais tempo tocando”. A rivalidade entre as duas corporações hoje nem se compara ao que foi no século XIX e meados do século XX. A relação entre as corporações, hoje, é muito mais amena e cordial. Isso graças a um movimento da década de 1990, acontecido no carnaval de Cachoeira do Campo, chamado de Carnaval da União onde, depois de muitos anos sem esta festa tradicional acontecer no distrito, organizadores do evento convidaram músicos de ambas as bandas para formarem uma só orquestra e tocarem para o público. A partir daí, a aproximação entre os músicos começou a ser maior, principalmente os mais jovens. Os mais antigos ainda relutaram muito em participar dessa “união”. É certo que a rivalidade amenizou, mas obviamente, ainda não acabou. Até porque a história que envolve as duas corporações é muito forte. As disputas musicais e alguns sentimentos mais fortes, principalmente dos mais antigos, ainda emerge com força em muitos momentos. E muitos daqueles que acompanham e gostam das bandas de músicas de Cachoeira do Campo se sentem tranquilizados por isso. Desde os tempos mais remotos e até hoje, a concepção de todos é que se um dia a rivalidade terminar de vez e até acontecer o improvável das bandas se tornarem uma só novamente, será o sinal do fim das bandas Euterpe e União Social. Os tempos modernos exigem mais resiliência das bandas. Competir contra a tecnologia dos smartphones, redes sociais e gêneros musicais recentes é um desafio enorme para as bandas centenárias. São distrações que rapidamente viralizam entre os jovens e prendem a atenção dessa garotada. Talvez a rivalidade entre Euterpe e União Social seja a única coisa que manteve as duas vivas nestes 160 anos.Duas bandas que eram uma
Foi por causa da serenata!…
Não! Foi por causa do “foguete” que caiu na casa do padre!…
Não! Foi por causa do descontentamento dos músicos. A serenata foi só a gota d’ água!…
E quanto à carta de Jorge de Figueiredo Brandão?…
A rivalidade entre as duas bandas ao longo da história
Referências bibliográficas:
Arquivo histórico da Banda Euterpe Cachoeirense.
VITORINO, Mônica. A Banda de Cima. Série: Lá vem a banda. Ouro Preto, Instituto de Artes e Cultura/UFOP, 198?. 36p. il. [/su_column][/su_row]
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